quarta-feira, 17 de junho de 2020

ENSINO REMOTO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: com a palavra, os docentes brasileiros



Katharine Ninive Pinto Silva
Thamyrys Fernanda Cândido de Lima
Sayarah Carol Mesquita dos Santos
Larissa dos Santos Estevão

Grupo Gestor – Pesquisa em Gestão da Educação e Políticas do Tempo Livre/ UFPE

O nosso objetivo com esta publicação é garantir que a avaliação de docentes brasileiros sobre o ensino remoto durante a Pandemia de COVID-19 possa ser apreciada. Para tanto, elaboramos um questionário pelo Google Forms e tivemos o retorno de 92 docentes que atuam nos diversos níveis e redes de ensino. A aplicação aconteceu durante os 15 primeiros dias do mês de junho. Para saber um pouco mais do perfil desses docentes, é só clicar aqui.
Apenas 14,1% desses docentes ainda não vivenciaram atividades de ensino remoto durante a quarentena motivada pelo Covid-19. Quase a metade (47,8%) está realizando aulas remotas desde o mês de março de 2020, início da quarenta no Brasil. E os demais, ou experimentaram uma suspensão inicial seguida da adoção do ensino remoto a partir do mês de abril de 2020 (10,9%) ou uma suspensão inicial, seguida por antecipação de férias escolares e a adoção do ensino remoto a partir do mês de maio de 2020 (27,2%), como podemos verificar no Gráfico 1 (Clique aqui).
Com a suspensão das aulas presenciais, o ensino remoto através de aulas virtuais on-line foi a principal forma adotada no trabalho de 76,7% desses docentes. As aulas gravadas e distribuídas através de aplicativos foi a forma adotada por 12,4% dos docentes. Os demais (11%), citam a utilização outras estratégias, de forma não sistemática e que não substituem as aulas.
Para as aulas virtuais, a principal plataforma utilizada é a da Google (63,2%), através do Google Meet. As Redes Sociais também são citadas por 55,2% dos docentes como sendo utilizadas de forma recorrente para o ensino remoto. Também são citadas outras plataformas como Zoom (14,9%); Teams (6,8%) e outras como YouTube. Bem como outras estratégias como a utilização de apostilas, e-mails e material de empresas como a Somos Plural.

A formação e as condições dos docentes para o ensino remoto

A maior parte dos docentes que responderam ao questionário (59,8%) não recebeu nenhum tipo de formação para atuar no ensino remoto. A outra parte (40,3%) recebeu formação durante a pandemia, através de plataformas virtuais, mas alguns afirmam já ter recebido formação anterior à pandemia, voltada para o uso de ferramentas tecnológicas e as chamadas metodologias ativas. Uma parte denuncia que foram feitas formações aligeiradas, com material superficial e sem checar as condições de infraestrutura dos professores para realizar o ensino remoto a partir de home office.
Considerando as condições para o ensino remoto, apenas 21,7% dos docentes considera que possui um ambiente de trabalho adequado à realização das aulas remotas, como podemos observar no Gráfico 2 (Clique aqui). A maior parte dos docentes (40,98%) utiliza um escritório ou sala de estudo já existente em sua casa antes da pandemia, ou adaptando, pela nova necessidade, quartos ou espaços vazios da casa. No entanto, poucos deles avaliam que esses espaços estão em condições confortáveis para esse novo uso, visto a ampliação da intensidade e das horas de trabalho. Além disso, alguns dividem esse espaço com os demais membros da família que também estão em atividades remotas.
Uma grande quantidade dos docentes utiliza, para a realização das aulas, um espaço da sala da casa, da sala de jantar ou da cozinha (26,22%), provavelmente fazendo uso da mesa de jantar e de sua parede de fundo. Uma quantidade considerável (18,3%) utiliza o próprio quarto, devido a questões como diminuição dos ruídos e melhor acesso à internet. Os demais costumam adaptar locais para uso no momento da aula, como varandas e área de serviço, ou mesmo arrastando móveis para liberar espaço para gravação dos vídeos das aulas.
Na maioria dos casos, os docentes afirmam que utilizam espaços inadequados, ou movem os equipamentos para espaços que tenham uma parede de fundo mais adequada para a gravação de vídeo. Mesmo os que avaliam que têm um espaço confortável de trabalho, consideram que não substitui o espaço da sala de aula.
Em relação ao uso de equipamentos para realizar as aulas, a maior parte dos docentes faz uso de seu próprio equipamento (92,4%). Considerando que a questão abria a possibilidade dos docentes responderem mais de uma opção, os docentes também informaram o uso de equipamentos emprestados por terceiros (7,6%), emprestados pela escola (6,5%) e mesmo equipamentos da escola utilizados na própria escola para gravar as aulas (3,3%).
Sobre a quantidade de horas diárias de trabalho, a maior parte diz trabalhar de 4 a 6 horas por dia (40,4%). Já 27,2%, diz estar trabalhando de 1 a 3 horas por dia e 23,9%, de 6 a 8 horas. Também são citados casos de trabalhos numa jornada diária de mais de 8 horas, chegando até 14 horas (6%). No outro extremo, 2% afirmam estar sem trabalhar, diante da suspensão das aulas presenciais ou reservar apenas 1 dia na semana para gravar as aulas.
De uma forma geral, a maioria considera a jornada de trabalho no período da quarentena bastante intensa (58,7%). Para 20,4%, é moderada. Para 8,7%, é pouco intensa e, para 2,2%, não houve mudança em relação à jornada de trabalho antes e durante a quarentena.

O ensino remoto em home office e os impactos na relação dos docentes com a sua família

A maior parte dos docentes que responderam ao questionário, como podemos conferir no Gráfico 3 (Clique aqui), está dividida entre considerar que este tipo de ensino remoto, realizado em casa, num contexto de isolamento social diante da Pandemia de COVID-19, vem afetando a privacidade do docente e de sua família (32,6%) e considerar que talvez esteja afetando (31,5%). Outra parte desses docentes (35,9%) considera que a privacidade não é afetada por este trabalho. No entanto, as respostas qualitativas que os docentes deram a essa questão, informaram vários níveis de interferência desse tipo de trabalho na privacidade dos docentes e de seus lares e na relação dos mesmos com as suas famílias que trataremos logo abaixo:

1.     Existe uma mudança na dinâmica da casa, considerando: a necessidade de controlar o volume das conversas, dos aparelhos de som ou TV pelos demais membros da família durante as aulas remotas online ou gravações; até mesmo a circulação dos membros da família pelos aposentos da casa deve ser controlada em boa parte do dia, bem como a realização das rotinas dos afazeres domésticos. Os horários e dinâmicas das interações familiares também são prejudicados em função da instabilidade dos horários e dinâmicas do trabalho remoto, sobretudo quando os docentes têm filhos que também estão em aula remota. Muitas vezes o ambiente e rotina da casa estão inteiramente ligados à escola. O próprio orçamento doméstico passa a ter outras prioridades ligadas ao ensino remoto, como a instalação e manutenção de internet de melhor qualidade, por exemplo.
2.     A falta de estrutura para realização do ensino remoto, considerando: a existência de ruídos externos (da rua, de casas vizinhas); ruídos internos (pela própria movimentação das pessoas em casa); ausência de espaço físico para todos que estão em casa, ao mesmo tempo em que estão sendo realizadas as aulas, o que leva à necessidade de utilização de espaços inadequados para realização das aulas (como quartos).
3.     A exigência de ter de ficar online o dia inteiro, considerando: o uso do número privado do celular para contato direto com os pais e alunos e o fato de que os mesmos querem ser atendidos a qualquer hora. Contribui para isso principalmente o uso do whatsapp para comunicação neste momento de pandemia e a impossibilidade de ignorar os chamados, diferente de outras redes sociais, como o instagram, por exemplo. Além disso, a dinâmica adotada pelas escolas e redes de ensino é de uma instabilidade de horários para a realização de reuniões.
4.     A exposição pública do ambiente privado, considerando: que o ambiente familiar é exposto nos vídeos das aulas; que o professor não tem direito de imagem resguardado e que não existe limites à distribuição dessas imagens.
5.     A existência de problemas de saúde (novos ou agravados), considerando: o maior tempo de exposição a telas, acarretando ou agravando problemas de visão e o tempo de trabalho na mesma posição, de forma a gerar ou agravar problemas osteomusculares, por exemplo.

A maior parte dos docentes não sofreu nenhuma redução de carga horária ou de trabalho no período (66,3%) e tem o seu salário como a principal fonte de renda da família (67,4%) ou parte dela (15,2%). No entanto, são citados casos de salários atrasados em função da inadimplência de pagamento das mensalidades; suspensão de contratos ou redução da carga horária com redução de salários. Bem como casos de perda da possibilidade de prestação de outros serviços que complementavam a renda, em função da quarentena.

Ensino Remoto e sentimento dos docentes em relação às suas condições técnicas, emocionais e de saúde  

A maior parte dos docentes se sente preparado totalmente (39,1%) ou parcialmente (37%) para o ensino remoto, em home office, considerando questões emocionais e se sentem entre parcialmente preparados (40,2%) e preparados (32,6%), considerando as questões técnicas relacionadas, como podemos ver nos Gráficos 4 e 5 (Clique aqui).
 No entanto, nas respostas qualitativas, as principais dificuldades citadas foram as de ordem emocional, psicológica ou física, com destaque para a ansiedade, tanto dos professores quanto dos próprios alunos (11 referências); o medo de ser contaminado e incertezas em relação ao futuro e insônia (cada um com 3 referências); pânico de sair de casa; estresse; cansaço físico; dificuldade em manter foco e concentração e insegurança em relação ao uso, pelos alunos, das imagens para criação de memes (cada um com 2 referências); depressão e cansaço mental (cada um com 1 referência).
Em relação às dificuldades de ordem técnica, as respostas qualitativas dos docentes destacaram: sentimento de despreparo profissional em relação ao uso das tecnologias (11 referências); ausência de infraestrutura, equipamentos e internet adequados (10 referências); aumento do trabalho, das exigências burocráticas e do controle (3 referências).
Para a maioria dos docentes (72,8%), a jornada de trabalho remoto é mais estressante do que as atividades presenciais, conforme podemos conferir no Gráfico 6 (Clique aqui). Para 19,6%, é menos estressante. E 7,6% considera que não houve alteração. 
Sobre as mudanças na jornada de trabalho, os docentes elencam as seguintes: as atividades exigem mais tempo de preparação (11 referências), além disso, elas são do tipo just in time[1] e on demand[2] (10 referências). Em alguns casos houve redução da jornada de trabalho (2 referências). Mesmo assim, os docentes consideram que há uma grande carga de ansiedade, devido ao contexto de pandemia, que prejudica o trabalho remoto, mesmo que a jornada tenha sido reduzida (2 referências). 
Também são citados problemas de saúde decorrentes do tempo intensificado de preparação de aulas ou da participação em atividades na frente das telas (2 referências). Os docentes relataram principalmente sentirem ansiedade, medo ou angústia (79,3%). Além disso, 46,7% dos docentes sofrem de insônia e 18,5% de tristeza persistente.
Outras questões abordadas dizem respeito às inúmeras dificuldades enfrentadas pelos docentes no trabalho remoto: as exigências são de vários tipos (infraestrutura; tempo dedicado; garantia de feedback dos alunos para avaliação) (1 referência) e a dificuldade em conciliar o trabalho docente com o trabalho doméstico ou de cuidado com os filhos (1 referência). Sobre a distribuição das atividades que os docentes realizam em casa, clique aqui.

O que os docentes pensam sobre o retorno das aulas através do ensino remoto?

A maior parte dos docentes que respondeu ao questionário é favorável (40,2%) ou parcialmente favorável (37%) ao retorno das aulas através do ensino remoto, durante a pandemia de Covid-19, conforme podemos conferir no Gráfico 7 (Clique aqui). No entanto, quando consideramos as respostas qualitativas, verificamos que a quase maioria dos docentes avalia negativamente o ensino remoto (46,9%) ou avalia que, mesmo necessário para o momento, é algo aquém do ensino presencial (32,1%). Uma minoria avalia positivamente (21%), inclusive com alguns docentes indicando que esta pode vir a ser uma alternativa para a melhoria da qualidade do ensino. Sistematizamos essas respostas logo abaixo:

1.  Avaliam positivamente as aulas remotas, considerando que, na impossibilidade de realização das atividades presenciais, são a melhor alternativa e estão garantindo a qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Alguns avaliam, inclusive, que esta é uma experiência nova que poderá permanecer mesmo após a pandemia.
2.  Avaliam negativamente as aulas remotas, considerando que elas não cumprem com a função de garantir a aprendizagem de todos ou da maioria dos estudantes. Que este tipo de ensino demanda um trabalho excessivo dos docentes, muito estresse e não garantem que os resultados aconteçam. Além disso, consideram que há, a partir deste tipo de ensino, um aprofundamento da exclusão escolar da maioria dos estudantes que não têm acesso à infraestrutura necessária para acompanhar as aulas remotas. O isolamento social, para estes docentes, também contribui para a falta de motivação dos estudantes em acompanhar a rotina das aulas remotas. Essas questões são ainda mais graves, de acordo com os docentes, considerando as especificidades da Educação Infantil, da Educação Especial ou mesmo do Ensino Fundamental. Ainda enfatizam a impossibilidade de avaliar a aprendizagem dos alunos através deste tipo de ensino, já que não haveria como acompanhar efetivamente a realização das atividades e provas pelos estudantes.
3.   Avaliam como necessárias (em função da Pandemia), mas aquém das aulas presenciais, considerando que não substituem a socialização do ensino presencial, fundamental no processo de Ensino/Aprendizagem. Em função disso, de acordo com os docentes, a maioria dos alunos não consegue ter um aproveitamento mínimo dessas aulas. Há referência também à falta de preparo e condições dos docentes para este tipo de ensino, que impede ainda mais a possibilidade de sua efetiva realização. Para alguns docentes, o ensino remoto só serve para manter um vínculo afetivo entre o estudante e a escola, enquanto o ensino presencial não é possível. Muitos docentes reconhecem os problemas e os limites já enfrentados pelo ensino presencial para garantir a aprendizagem dos estudantes, mas avaliam que o ensino remoto, longe de ser uma solução, aprofunda esses problemas e limites.

O nosso Grupo de Pesquisa, ao sistematizar a posição dos 92 docentes que responderam ao nosso questionário, convida a todos para nos ajudar a refletir sobre essa problemática do ensino remoto durante a Pandemia de Covid-19. Aguardamos os comentários de vocês nos ajudando com questões, relatos e contribuições para continuarmos este debate. 



[1] Utilizamos esta expressão para caracterizar uma parte das respostas dos docentes, considerando que o sistema just in time é um sistema da gestão da produção que determina que nada deve ser produzido, transportado ou comprado antes da hora certa, de forma que para o trabalhador, a determinação dos prazos acaba acontecendo de forma heterônoma, de acordo com a demanda.
[2] Utilizamos esta expressão para caracterizar uma parte das respostas dos docentes, considerando que eles afirmam que seu trabalho, cada vez mais, vem sendo intensificado em função da demanda de pais e alunos. 

2 comentários:

  1. Muito boa a iniciativa da pesquisa. Parabéns.
    Lendo os resultados fiquei pensando se igual se separasse os as pesquisadas e pesquisados por professores (as) do ensino público e professoras (es) do ensino particular. São duas realidades com muitas diferenças, que podem impactar nas respostas do questionário, portanto separar ajudaria a saber o que cada grupo (particular e público) pensa. E, saber se há diferença ou não. Outra diferença é o professor do ensino médio e fundamental com os do ensino superior. Nesta questão, acredito que as diferenças são enormes. Obrigado.

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  2. Excelente trabalho realizado pelo grupo.
    Realizando a leitura dos dados trazidos pela pesquisa, vou refletindo o quanto o retorno as atividades presenciais vai trazer uma grande complexidade de ajuste nas relações sociais, sobretudo, no ajuste didático pedagógico entre professor e aluno. Sem contar na necessidade de estabelecer uma rede de apoio ao professor neste retorno às atividades. Parabéns pelo estudo. Estou olhando para ele como norte para a discussão que venho encampando em relação aos, também desafios, enfrentado pelos estudantes.

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