terça-feira, 30 de junho de 2020

Ensino Remoto em home office e flexibilização do trabalho docente – algumas notas sobre precarização, intensificação e adoecimento





Katharine Ninive Pinto Silva
Thamyrys Fernanda Cândido de Lima
Sayarah Carol Mesquita dos Santos
Larissa dos Santos Estevão
Everaldo José da Silva Lima

Grupo Gestor - Pesquisa em Gestão da Educação e Políticas do Tempo Livre/ UFPE


A aprovação de duas leis em 2017, sancionadas pelo governo golpista de Michel Temer, a 13.429 (Clique aqui) (a chamada Lei das Terceirizações) e a 13.467 (Clique aqui) (a lei da Reforma Trabalhista), aprofundaram o processo de contrarreforma trabalhista dos últimos anos. A extinção do Ministério do Trabalho na gestão Bolsonaro, a partir de 2019, ilustra o redesenho do projeto de destruição dos direitos trabalhistas.
No entanto, o trabalho não morreu. De acordo com Antunes (2018), o trabalhador continua sendo trabalhador, quer seja no chamado "trabalho sujo" da exploração dos recursos materiais ou do chão das fábricas, quer seja no chamado "trabalho limpo" dos escritórios e dos home offices. A exploração e a espoliação do trabalhador estão se agravando, não desaparecendo (ANTUNES, 2018).
A adoção de medidas direcionadas ao isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19 e a ausência de vacina e tratamento efetivos, vem aumentando o número de trabalhadores realizando trabalho remoto a partir de suas casas. Esse é o caso dos professores que, de uma hora para outra, passaram a ter que adequar o seu lar, seus equipamentos e sua vida ao ensino remoto. 
De acordo com Rosso (2017), na educação está um dos exemplos mais profundos de flexibilização laboral: trabalhou uma hora, recebeu por uma hora. Neste momento, não são raros os casos de professores que estão com contratos suspensos ou sem a possibilidade de exercer a profissão devido aos contratos flexíveis, já que foi aberta a possibilidade da terceirização das atividades fins no Brasil, que aprofunda ainda mais essa flexibilização.
A partir desses elementos, este texto busca problematizar como, no contexto da Pandemia, se apresentam as questões da precarização, intensificação e adoecimento no trabalho docente no contexto brasileiro.

Flexibilização laboral do trabalho docente e os números da intensificação no contexto da Pandemia

Cada vez mais a lógica da acumulação flexível introduzida na organização do trabalho, com base no toyotismo, vem contagiando a organização do trabalho nas instituições de ensino. De acordo com Antunes e Pinto (2017), o trabalho docente vem recorrendo ao recurso da adaptação dos currículos, da polivalência e da adição de tecnologias digitais e de informação. No contexto atual, diante da necessidade de isolamento social para conter a Pandemia, o trabalho docente passa a lidar com novas dificuldades citadas por Antunes (2018) em relação aos trabalhos on-line: formas modernas de escravidão (digital) e dificuldades em separar o tempo de vida no trabalho e fora do trabalho. 
Buscando regular essa questão, o GT COVID 19 da Procuradoria Geral do Trabalho/ Ministério Público do Trabalho, emitiu a Nota Técnica 11/2020 (Clique aqui) buscando estabelecer diretrizes a serem observadas por estabelecimentos de ensino, durante esse período, para garantir a saúde e demais direitos fundamentais de professores e professoras que estarão exercendo suas atividades laborais por meio de plataformas virtuais, trabalho remoto e/ou em home office. Dentre as principais recomendações, destacaremos: o direito à irredutibilidade dos salários; a observância da jornada laboral diária (8 horas) e semanal (44 horas); a realização de acordos coletivos com a categoria; o princípio de liberdade de cátedra; a necessidade de garantir condições de trabalho, incluindo custeio de equipamentos ou ressarcimento por gastos do docente para realização das atividades; ética digital em relação ao direito de imagem, direito da personalidade e direitos autorais, bem como estabelecer medidas de segurança da informação, dentre outras questões.
Esta nota se torna mais necessária considerando que, de acordo com Antunes (2018, p. 148):

O cumprimento das metas estabelecidas, que implicam o aumento da intensidade do trabalho e da produtividade, não vem acompanhado de nenhum compromisso, por parte das corporações, para a melhora das condições de trabalho, como limitação da jornada, ritmo de produção ou outros instrumentos que preservem a saúde do trabalhador.

Estamos lidando com novas questões que ampliam a flexibilização do trabalho docente. Uma dessas questões diz respeito à intensificação do mesmo. De acordo com Rosso (2017), intensidade diz respeito ao "grau de envolvimento do trabalho humano no processo laboral" (p. 95) e "[...] ocorre em razão inversa ao alongamento da jornada. [...] a essência da intensificação do trabalho está naquilo que realmente ela é: 'maior quantidade de trabalho'" (p. 106). Em jornadas flexíveis, intensificação do trabalho é acompanhada, de acordo com Rosso (2017), por instabilidade de contratos, maior eventualidade e jornadas fora dos dias e horários convencionais de trabalho. De acordo com Rosso e Cardoso (2015) a intensificação do trabalho é um conceito em construção, mas que ele está relacionado ao aumento da produção e de mais-valor, no tempo gasto, no esforço físico e mental do trabalhadores, seja em jornadas de trabalho ampliadas ou não.
Em 2010, eram 8 milhões de professores no Brasil, considerando todos os níveis e modalidades de ensino público e privado. Desses, de acordo com Rosso (2017), quase 3 milhões encontravam-se em condições laborais com jornada inferior a quarenta horas semanais o que, para o autor, significa uma jornada abaixo do esperado (jornada integral de 40 a 44 horas semanais). Isso porque a carga horária inferior também significa remuneração inferior, na maioria dos casos. O autor cita um aumento no número de professores com jornada integral, entre 2000 e 2010. Provavelmente esse aumento se deu a partir da regulamentação da Lei 11738/2008 (Clique aqui) que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.
Em publicação anterior (Ensino Remoto durante a Pandemia de Covid-19: com a palavra os docentes brasileiros) (Clique aqui), tratamos de descrever como os professores estão avaliando o contexto atual. Questões como ausência de formação e de estrutura e equipamentos, por um lado e, por outro, aumento das cobranças e necessidade de maior investimento de tempo, inclusive em horários incomuns de trabalho ou fora do horário de trabalho, foram bastante presentes. Além disso, quase 60% dos professores consideram que a jornada de trabalho está bastante intensa e, mais de 70%, avalia que o trabalho remoto é ainda mais estressante do que as atividades presenciais de antes da Pandemia.
Ao analisarmos os números considerando os níveis de ensino em que esses professores atuam, percebemos que não há, neste caso, grandes diferenciações quando o assunto é trabalho remoto para a intensificação do trabalho dos professores. E, assim como o observado por Rosso (2017), também identificamos uma grande tendência a um processo que podemos chamar de auto intensificação, ou seja, os docentes acabam interiorizando esse processo, não percebendo o quanto é preciso estabelecer uma pauta de reivindicações para garantir os limites. A nota Técnica 20/2020 do Ministério Público do Trabalho é uma importante ação para desnaturalizar esse processo, amplificado pela inserção das tecnologias de informação e comunicação (TICs). 

Flexibilização laboral do trabalho docente e os números da precarização no contexto da pandemia

Em tempos de desemprego estrutural que, de acordo com Antunes (2018) é decorrente da hegemonia da "lógica financeira", que investe em permanente inovação no sentido de tornar a força de trabalho de homens e mulheres obsoleta e descartável (ANTUNES, 2018; HARVEY, 2016), os trabalhadores e trabalhadoras são empregáveis de curto prazo, por meio de formas de contrato precárias, terceirizadas, informais. De acordo com Antunes (2018), "o objetivo é o de incrementar os mecanismos e formas de extração do sobre trabalho, de sujeição e divisão dos trabalhadores e das trabalhadoras" (p. 172).
Ainda do ponto de vista trabalhista, é preciso chamar atenção para as medidas empreendidas no bojo da pandemia, que buscam regulamentar o trabalho no estado de calamidade pública, sob o discurso governamental bolsonarista de que são medidas que objetivam a preservação do emprego. No entanto, as medidas provisórias nº 927/2020 (Clique aqui) e nº 936/2020 (Clique aqui), instituíram a redução da jornada de trabalho, redução salarial e suspensão de contratos, demonstrando que nesse cenário o que vigora é a salvação dos lucros das empresas, acumulando ainda mais a exposição da população pobre, sobretudo a periférica.
            Além do aumento das modalidades de trabalho terceirizadas, temporárias, flexíveis e precarizadas que afetam a condição de labor e vida dos trabalhadores e de medidas adotadas para “salvar os empregos” durante a Pandemia, os primeiros meses de 2020 têm revelado números preocupantes em relação ao desemprego no Brasil. Dados do DIEESE (Clique aqui) revelam que, em abril de 2020, foram fechados 861 mil vínculos de emprego. De acordo com esses dados, os setores do comércio e o de serviços foram os mais afetados, em números absolutos.
            Em publicação anterior (Ensino Remoto durante a Pandemia de Covid-19: com a palavra os docentes brasileiros) (Clique aqui), mesmo sendo, a maior parte dos docentes que responderam à nossa pesquisa, funcionários públicos estatutários, mais de 30% é contratado da rede privada com carteira assinada e mais de 30% tem formas de contratação informais ou temporárias com a rede pública. Além disso, como mais um elemento de precarização, quase 60% dos docentes que estão realizando atividades remotas revelou não ter recebido nenhum tipo de formação ou preparação e, entre os que receberam, a maior parte denuncia que as formações são aligeiradas e inadequadas. Em nenhum caso foi garantida a infraestrutura adequada para o ensino remoto em home office, como orientado pela Nota Técnica 11/2020 do Ministério Público do Trabalho (Clique aqui).
Antunes (2018) discute a ascendência de um novo perfil de trabalhador na realidade do mundo do trabalho, através da intensificação dos aparatos tecnológicos e informacionais nas relações laborais. Antunes (2018) considera esse novo trabalhador como novo proletariado da era digital. Ele conceitua dessa forma porque considera que o conceito de classe trabalhadora incorpora um conjunto de trabalhadores informais, intermitentes ou temporários, uberizados e flexíveis que inclui e aprofunda o uso dos meios digitais para operarem no processo de divisão do trabalho, na produção de mais-valor e expansão do capital. 
Antunes (2018) faz referência também a um fenômeno denominado "pejotização" do trabalho, que ocorre em várias profissões, inclusive entre os professores. Trata-se do estabelecimento de uma relação de trabalho sem contrato de longa duração, de "frilas fixos", freelancers que se tornam permanentes. Muitos destes atuando através de tele trabalho e/ou home office.

Adoecimento no trabalho pré e pós pandemia - a questão do docente

Os impactos causados pela nova morfologia do trabalho, provenientes do trabalho flexível e das suas formas de controle laboral sobre o trabalho docente não são novas. No entanto, ganham novas dimensões e aprofundamento nesse cenário de crise estrutural do capital e de crise sanitária sem precedentes, atingindo a vida de trabalhadores e trabalhadoras.
Autores como Antunes (2018) e Alves (2012) já anunciavam que a nova morfologia social do trabalho flexível e suas formas de controle laboral, têm impacto disruptivo no metabolismo social do homem-que-trabalha, destruindo o corpo produtivo, sua subjetividade e elevando exponencialmente os casos de adoecimentos psíquicos vivenciados na cotidianidade do trabalho. De acordo com Antunes (2018), também em relação às condições de trabalho dos professores (assim como de trabalhadores de call center e telemarketing), “proliferam as LERs, o assédio moral (essa nova forma de controle e dominação dissimulada), o adoecimento e os padecimentos de todo corpo produtivo, físico, psíquico, mental” (p. 175). O contexto da pandemia trás um efeito imediato nas condições de trabalho docente, podendo haver uma redução do tempo de vida ao tempo de trabalho, através do ensino remoto em home office, com o deslocamento para o ambiente doméstico.
Uma notícia divulgada recentemente por um veículo da mídia, o Dever de Classe (Clique aqui), aponta que os docentes estão entre os profissionais mais vulneráveis ao Covid-19. De acordo com o médico Adalton N B Silva, especialista consultado, grande parte dos docentes tem inúmeras doenças ocasionadas pelo exercício da sala de aula que, por si só já é um espaço propício à propagação do Coronavírus, tais como: problemas na garganta, doenças respiratórias, hipertensão, diabetes, dores nas costas, esgotamento físico e mental e depressão, como agravos decorrentes da profissão. Mas, também no que se refere ao exercício laboral docente por meio de ensino remoto em home office, o aspecto da saúde do trabalhador precisa ser considerado em melhores condições ergonômicas de trabalho; em uma maior quantidade de pausas para diminuir os efeitos do tempo de tela; de formas de garantir a socialização com os pares e de preservar os direitos da profissão no que diz respeito à liberdade de cátedra e aos direitos autorais e da personalidade, como detalhado na Nota 11/2020 do Ministério Público do Trabalho, anteriormente citada.
Diante do desrespeito à essas condições de trabalho remoto em home office, considerando nossa publicação anterior (Ensino Remoto durante a Pandemia de Covid-19: com a palavra os docentes brasileiros) (Clique aqui), são questões que afligem os docentes: ansiedade, medo ou angústia (79,3%); insônia (46,7%) e tristeza persistente (18,5%). Além dos aspectos emocionais, também foram citados problemas de saúde em decorrência da intensificação do trabalho, ou seja, para desenvolver trabalho remoto, há  necessidade de se dedicar mais tempo para preparação de aulas ou participação em atividades na frente das telas (computador, celular, tablets). 

Trabalho remoto na Educação - possíveis efeitos em relação à educação pós-pandemia

Apesar da imensa transformação em nosso cotidiano provocada pela necessidade do isolamento social para conter o Covid-19, foi possível observar o avançado estado em que já se encontravam alguns processos. A crise sanitária serviu para aumentar o ritmo de implementação da estratégia de crescimento dos setores que atuam por meio das tecnologias digitais, diante da crise de decomposição em que se encontra enredado o imperialismo.
No âmbito da educação, as pressões para a implementação do ensino remoto em todos os níveis de ensino não podem ser justificadas apenas diante do contexto da pandemia, já estavam em desenvolvimento e com certeza trarão consequências futuras. Está em curso um processo de padronização e alinhamento de materiais didáticos e de plataformas de conteúdos, em meio a um aprofundamento das formas de privatização com financiamento público de que trata Adrião (2018). Um grande mercado em expansão já vinha sendo gestado e agora ganha uma maior expressão, com o fortalecimento das empresas que formam a chamada GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) sobre a educação pública brasileira (Clique aqui), a ponto de quase 65% das instituições públicas de ensino, hoje, ter os e-mails profissionais delegados a empresas privadas como Google e Microsoft.
Tais elementos trazem a tona o neotecnicismo (SAVIANI, 2007) nesse ensaio e improviso de alternativas diante da Pandemia de COVID 19, com potenciais impactos catastróficos para a educação: aceleração das formas de privatização e desprofissionalização ou rebaixamento profissional docente, bem como a substituição da mão de boa parte da mão de obra docente por estratégias de Educação a Distância cada vez mais robotizadas (a exemplo da demissão em massa ocorrida recentemente pela empresa Laureate). E, como consequência, rebaixamento da qualidade do ensino acessado pela maioria da população.
Isso não quer dizer que os fatos estão dados e, portanto, não resta saídas e alternativas. A história é movimento, feita de avanços e recuos, mudanças e permanências, repleta de contradições e, nessa perspectiva, é necessário não só construir uma política de defensiva contra os ataques na educação, mas também se exige uma postura de ofensiva  perante  às políticas de retrocesso em curso, que possa envolver diversos setores da classe trabalhadora e articule suas lutas por mudanças vitais e estruturais, imprescindíveis, urgentes e possíveis nos dias de hoje. O educador precisa ser ouvido e considerado no processo revolucionário. Para tanto, é preciso garantir direitos, defender espaços de luta coletivos, garantir espaços de socialização e formação durante a pandemia. 

Referências
ADRIÃO, Thereza. Dimensões e formas da Privatização da Educação no Brasil: caracterização a partir de mapeamento das produções nacionais e internacionais. Currículo sem Fronteiras, v. 18, n. 1, p. 8-28, jan/abr, 2018.
ALVES, Giovane. Trabalho docente e precarização do homem-que-trabalha. Blog da Boitempo, 2012. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2012/11/16/trabalho-docente-e-precarizacao-do-homem-que-trabalha/. Acesso em: 5 dez. 2018.
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
ANTUNES, Ricardo; PINTO, Geraldo. A Fábrica da Educação: da especialização taylorista à flexibilização toyotista. São Paulo: Cortez, 2017.
HARVEY, David. 17 Contradições e o fim do capitalismo. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016.
ROSSO, Sadi Dal. O Ardil da Flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2017.
ROSSO, Sadi Dal; CARDOSO, A. N. M. Intensidade do Trabalho: questões conceituais e metodológicas. Revista Sociedade e Estado, Vol. 30, nº 3, set/dez, 2015.
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Autores Associados: Campinas, 2007. 

quarta-feira, 17 de junho de 2020

ENSINO REMOTO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: com a palavra, os docentes brasileiros



Katharine Ninive Pinto Silva
Thamyrys Fernanda Cândido de Lima
Sayarah Carol Mesquita dos Santos
Larissa dos Santos Estevão

Grupo Gestor – Pesquisa em Gestão da Educação e Políticas do Tempo Livre/ UFPE

O nosso objetivo com esta publicação é garantir que a avaliação de docentes brasileiros sobre o ensino remoto durante a Pandemia de COVID-19 possa ser apreciada. Para tanto, elaboramos um questionário pelo Google Forms e tivemos o retorno de 92 docentes que atuam nos diversos níveis e redes de ensino. A aplicação aconteceu durante os 15 primeiros dias do mês de junho. Para saber um pouco mais do perfil desses docentes, é só clicar aqui.
Apenas 14,1% desses docentes ainda não vivenciaram atividades de ensino remoto durante a quarentena motivada pelo Covid-19. Quase a metade (47,8%) está realizando aulas remotas desde o mês de março de 2020, início da quarenta no Brasil. E os demais, ou experimentaram uma suspensão inicial seguida da adoção do ensino remoto a partir do mês de abril de 2020 (10,9%) ou uma suspensão inicial, seguida por antecipação de férias escolares e a adoção do ensino remoto a partir do mês de maio de 2020 (27,2%), como podemos verificar no Gráfico 1 (Clique aqui).
Com a suspensão das aulas presenciais, o ensino remoto através de aulas virtuais on-line foi a principal forma adotada no trabalho de 76,7% desses docentes. As aulas gravadas e distribuídas através de aplicativos foi a forma adotada por 12,4% dos docentes. Os demais (11%), citam a utilização outras estratégias, de forma não sistemática e que não substituem as aulas.
Para as aulas virtuais, a principal plataforma utilizada é a da Google (63,2%), através do Google Meet. As Redes Sociais também são citadas por 55,2% dos docentes como sendo utilizadas de forma recorrente para o ensino remoto. Também são citadas outras plataformas como Zoom (14,9%); Teams (6,8%) e outras como YouTube. Bem como outras estratégias como a utilização de apostilas, e-mails e material de empresas como a Somos Plural.

A formação e as condições dos docentes para o ensino remoto

A maior parte dos docentes que responderam ao questionário (59,8%) não recebeu nenhum tipo de formação para atuar no ensino remoto. A outra parte (40,3%) recebeu formação durante a pandemia, através de plataformas virtuais, mas alguns afirmam já ter recebido formação anterior à pandemia, voltada para o uso de ferramentas tecnológicas e as chamadas metodologias ativas. Uma parte denuncia que foram feitas formações aligeiradas, com material superficial e sem checar as condições de infraestrutura dos professores para realizar o ensino remoto a partir de home office.
Considerando as condições para o ensino remoto, apenas 21,7% dos docentes considera que possui um ambiente de trabalho adequado à realização das aulas remotas, como podemos observar no Gráfico 2 (Clique aqui). A maior parte dos docentes (40,98%) utiliza um escritório ou sala de estudo já existente em sua casa antes da pandemia, ou adaptando, pela nova necessidade, quartos ou espaços vazios da casa. No entanto, poucos deles avaliam que esses espaços estão em condições confortáveis para esse novo uso, visto a ampliação da intensidade e das horas de trabalho. Além disso, alguns dividem esse espaço com os demais membros da família que também estão em atividades remotas.
Uma grande quantidade dos docentes utiliza, para a realização das aulas, um espaço da sala da casa, da sala de jantar ou da cozinha (26,22%), provavelmente fazendo uso da mesa de jantar e de sua parede de fundo. Uma quantidade considerável (18,3%) utiliza o próprio quarto, devido a questões como diminuição dos ruídos e melhor acesso à internet. Os demais costumam adaptar locais para uso no momento da aula, como varandas e área de serviço, ou mesmo arrastando móveis para liberar espaço para gravação dos vídeos das aulas.
Na maioria dos casos, os docentes afirmam que utilizam espaços inadequados, ou movem os equipamentos para espaços que tenham uma parede de fundo mais adequada para a gravação de vídeo. Mesmo os que avaliam que têm um espaço confortável de trabalho, consideram que não substitui o espaço da sala de aula.
Em relação ao uso de equipamentos para realizar as aulas, a maior parte dos docentes faz uso de seu próprio equipamento (92,4%). Considerando que a questão abria a possibilidade dos docentes responderem mais de uma opção, os docentes também informaram o uso de equipamentos emprestados por terceiros (7,6%), emprestados pela escola (6,5%) e mesmo equipamentos da escola utilizados na própria escola para gravar as aulas (3,3%).
Sobre a quantidade de horas diárias de trabalho, a maior parte diz trabalhar de 4 a 6 horas por dia (40,4%). Já 27,2%, diz estar trabalhando de 1 a 3 horas por dia e 23,9%, de 6 a 8 horas. Também são citados casos de trabalhos numa jornada diária de mais de 8 horas, chegando até 14 horas (6%). No outro extremo, 2% afirmam estar sem trabalhar, diante da suspensão das aulas presenciais ou reservar apenas 1 dia na semana para gravar as aulas.
De uma forma geral, a maioria considera a jornada de trabalho no período da quarentena bastante intensa (58,7%). Para 20,4%, é moderada. Para 8,7%, é pouco intensa e, para 2,2%, não houve mudança em relação à jornada de trabalho antes e durante a quarentena.

O ensino remoto em home office e os impactos na relação dos docentes com a sua família

A maior parte dos docentes que responderam ao questionário, como podemos conferir no Gráfico 3 (Clique aqui), está dividida entre considerar que este tipo de ensino remoto, realizado em casa, num contexto de isolamento social diante da Pandemia de COVID-19, vem afetando a privacidade do docente e de sua família (32,6%) e considerar que talvez esteja afetando (31,5%). Outra parte desses docentes (35,9%) considera que a privacidade não é afetada por este trabalho. No entanto, as respostas qualitativas que os docentes deram a essa questão, informaram vários níveis de interferência desse tipo de trabalho na privacidade dos docentes e de seus lares e na relação dos mesmos com as suas famílias que trataremos logo abaixo:

1.     Existe uma mudança na dinâmica da casa, considerando: a necessidade de controlar o volume das conversas, dos aparelhos de som ou TV pelos demais membros da família durante as aulas remotas online ou gravações; até mesmo a circulação dos membros da família pelos aposentos da casa deve ser controlada em boa parte do dia, bem como a realização das rotinas dos afazeres domésticos. Os horários e dinâmicas das interações familiares também são prejudicados em função da instabilidade dos horários e dinâmicas do trabalho remoto, sobretudo quando os docentes têm filhos que também estão em aula remota. Muitas vezes o ambiente e rotina da casa estão inteiramente ligados à escola. O próprio orçamento doméstico passa a ter outras prioridades ligadas ao ensino remoto, como a instalação e manutenção de internet de melhor qualidade, por exemplo.
2.     A falta de estrutura para realização do ensino remoto, considerando: a existência de ruídos externos (da rua, de casas vizinhas); ruídos internos (pela própria movimentação das pessoas em casa); ausência de espaço físico para todos que estão em casa, ao mesmo tempo em que estão sendo realizadas as aulas, o que leva à necessidade de utilização de espaços inadequados para realização das aulas (como quartos).
3.     A exigência de ter de ficar online o dia inteiro, considerando: o uso do número privado do celular para contato direto com os pais e alunos e o fato de que os mesmos querem ser atendidos a qualquer hora. Contribui para isso principalmente o uso do whatsapp para comunicação neste momento de pandemia e a impossibilidade de ignorar os chamados, diferente de outras redes sociais, como o instagram, por exemplo. Além disso, a dinâmica adotada pelas escolas e redes de ensino é de uma instabilidade de horários para a realização de reuniões.
4.     A exposição pública do ambiente privado, considerando: que o ambiente familiar é exposto nos vídeos das aulas; que o professor não tem direito de imagem resguardado e que não existe limites à distribuição dessas imagens.
5.     A existência de problemas de saúde (novos ou agravados), considerando: o maior tempo de exposição a telas, acarretando ou agravando problemas de visão e o tempo de trabalho na mesma posição, de forma a gerar ou agravar problemas osteomusculares, por exemplo.

A maior parte dos docentes não sofreu nenhuma redução de carga horária ou de trabalho no período (66,3%) e tem o seu salário como a principal fonte de renda da família (67,4%) ou parte dela (15,2%). No entanto, são citados casos de salários atrasados em função da inadimplência de pagamento das mensalidades; suspensão de contratos ou redução da carga horária com redução de salários. Bem como casos de perda da possibilidade de prestação de outros serviços que complementavam a renda, em função da quarentena.

Ensino Remoto e sentimento dos docentes em relação às suas condições técnicas, emocionais e de saúde  

A maior parte dos docentes se sente preparado totalmente (39,1%) ou parcialmente (37%) para o ensino remoto, em home office, considerando questões emocionais e se sentem entre parcialmente preparados (40,2%) e preparados (32,6%), considerando as questões técnicas relacionadas, como podemos ver nos Gráficos 4 e 5 (Clique aqui).
 No entanto, nas respostas qualitativas, as principais dificuldades citadas foram as de ordem emocional, psicológica ou física, com destaque para a ansiedade, tanto dos professores quanto dos próprios alunos (11 referências); o medo de ser contaminado e incertezas em relação ao futuro e insônia (cada um com 3 referências); pânico de sair de casa; estresse; cansaço físico; dificuldade em manter foco e concentração e insegurança em relação ao uso, pelos alunos, das imagens para criação de memes (cada um com 2 referências); depressão e cansaço mental (cada um com 1 referência).
Em relação às dificuldades de ordem técnica, as respostas qualitativas dos docentes destacaram: sentimento de despreparo profissional em relação ao uso das tecnologias (11 referências); ausência de infraestrutura, equipamentos e internet adequados (10 referências); aumento do trabalho, das exigências burocráticas e do controle (3 referências).
Para a maioria dos docentes (72,8%), a jornada de trabalho remoto é mais estressante do que as atividades presenciais, conforme podemos conferir no Gráfico 6 (Clique aqui). Para 19,6%, é menos estressante. E 7,6% considera que não houve alteração. 
Sobre as mudanças na jornada de trabalho, os docentes elencam as seguintes: as atividades exigem mais tempo de preparação (11 referências), além disso, elas são do tipo just in time[1] e on demand[2] (10 referências). Em alguns casos houve redução da jornada de trabalho (2 referências). Mesmo assim, os docentes consideram que há uma grande carga de ansiedade, devido ao contexto de pandemia, que prejudica o trabalho remoto, mesmo que a jornada tenha sido reduzida (2 referências). 
Também são citados problemas de saúde decorrentes do tempo intensificado de preparação de aulas ou da participação em atividades na frente das telas (2 referências). Os docentes relataram principalmente sentirem ansiedade, medo ou angústia (79,3%). Além disso, 46,7% dos docentes sofrem de insônia e 18,5% de tristeza persistente.
Outras questões abordadas dizem respeito às inúmeras dificuldades enfrentadas pelos docentes no trabalho remoto: as exigências são de vários tipos (infraestrutura; tempo dedicado; garantia de feedback dos alunos para avaliação) (1 referência) e a dificuldade em conciliar o trabalho docente com o trabalho doméstico ou de cuidado com os filhos (1 referência). Sobre a distribuição das atividades que os docentes realizam em casa, clique aqui.

O que os docentes pensam sobre o retorno das aulas através do ensino remoto?

A maior parte dos docentes que respondeu ao questionário é favorável (40,2%) ou parcialmente favorável (37%) ao retorno das aulas através do ensino remoto, durante a pandemia de Covid-19, conforme podemos conferir no Gráfico 7 (Clique aqui). No entanto, quando consideramos as respostas qualitativas, verificamos que a quase maioria dos docentes avalia negativamente o ensino remoto (46,9%) ou avalia que, mesmo necessário para o momento, é algo aquém do ensino presencial (32,1%). Uma minoria avalia positivamente (21%), inclusive com alguns docentes indicando que esta pode vir a ser uma alternativa para a melhoria da qualidade do ensino. Sistematizamos essas respostas logo abaixo:

1.  Avaliam positivamente as aulas remotas, considerando que, na impossibilidade de realização das atividades presenciais, são a melhor alternativa e estão garantindo a qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Alguns avaliam, inclusive, que esta é uma experiência nova que poderá permanecer mesmo após a pandemia.
2.  Avaliam negativamente as aulas remotas, considerando que elas não cumprem com a função de garantir a aprendizagem de todos ou da maioria dos estudantes. Que este tipo de ensino demanda um trabalho excessivo dos docentes, muito estresse e não garantem que os resultados aconteçam. Além disso, consideram que há, a partir deste tipo de ensino, um aprofundamento da exclusão escolar da maioria dos estudantes que não têm acesso à infraestrutura necessária para acompanhar as aulas remotas. O isolamento social, para estes docentes, também contribui para a falta de motivação dos estudantes em acompanhar a rotina das aulas remotas. Essas questões são ainda mais graves, de acordo com os docentes, considerando as especificidades da Educação Infantil, da Educação Especial ou mesmo do Ensino Fundamental. Ainda enfatizam a impossibilidade de avaliar a aprendizagem dos alunos através deste tipo de ensino, já que não haveria como acompanhar efetivamente a realização das atividades e provas pelos estudantes.
3.   Avaliam como necessárias (em função da Pandemia), mas aquém das aulas presenciais, considerando que não substituem a socialização do ensino presencial, fundamental no processo de Ensino/Aprendizagem. Em função disso, de acordo com os docentes, a maioria dos alunos não consegue ter um aproveitamento mínimo dessas aulas. Há referência também à falta de preparo e condições dos docentes para este tipo de ensino, que impede ainda mais a possibilidade de sua efetiva realização. Para alguns docentes, o ensino remoto só serve para manter um vínculo afetivo entre o estudante e a escola, enquanto o ensino presencial não é possível. Muitos docentes reconhecem os problemas e os limites já enfrentados pelo ensino presencial para garantir a aprendizagem dos estudantes, mas avaliam que o ensino remoto, longe de ser uma solução, aprofunda esses problemas e limites.

O nosso Grupo de Pesquisa, ao sistematizar a posição dos 92 docentes que responderam ao nosso questionário, convida a todos para nos ajudar a refletir sobre essa problemática do ensino remoto durante a Pandemia de Covid-19. Aguardamos os comentários de vocês nos ajudando com questões, relatos e contribuições para continuarmos este debate. 



[1] Utilizamos esta expressão para caracterizar uma parte das respostas dos docentes, considerando que o sistema just in time é um sistema da gestão da produção que determina que nada deve ser produzido, transportado ou comprado antes da hora certa, de forma que para o trabalhador, a determinação dos prazos acaba acontecendo de forma heterônoma, de acordo com a demanda.
[2] Utilizamos esta expressão para caracterizar uma parte das respostas dos docentes, considerando que eles afirmam que seu trabalho, cada vez mais, vem sendo intensificado em função da demanda de pais e alunos. 

O livro Desafios da política educaional para o Ensino Mèdio e para a qualificação profissional no Brasil ( Clique aqui )  trata da temática ...